
Licenciado e mestre em Bioquímica, João Amorim, conhecido como ‘Follow The Sun’, encontrou sua verdadeira paixão em viagens. Agora líder de viagens, fotógrafo e influenciador digital, compartilha suas aventuras com milhares de seguidores.
Em 2023, ele chamou a atenção ao criar o projeto ‘Fundo da Aldeia’ e adquirir meia aldeia no Gerês. Entretanto, nesta entrevista, ele fala sobre sua recente viagem ao Afeganistão, país em crise.
Amorim confessa ter sido “surpreendido pela negativa” após passagens pelo Iraque e Iémen, onde a realidade superou expectativas. Essa experiência não se repetiu no Afeganistão, agora sob controle talibã desde 2021.
Relata um país “instável e extremamente pobre”, com cidadãos discordando das medidas “únicas e opressivas” do regime, mas com “esperança” pela ausência de guerra diária.
João Amorim partilha várias observações, incluindo a vez em que Slow J foi ouvido num país onde música é proibida, e um momento crítico quando foi “perseguido por um talibã”.
“Estive no Iraque, na Arábia Saudita e no Iémen, mas o Afeganistão me surpreendeu negativamente”
Recentemente, você compartilhou sua viagem ao Afeganistão. O que o motivou a embarcar nessa aventura?
Sempre tive curiosidade por países menos conhecidos, tanto pelo turismo quanto pelo aspecto cultural. As ideias que temos sobre esses locais raramente coincidem com a realidade, mesmo após visitá-los. Minha experiência no Iraque e Iémen foi muito melhor do que esperava, mas no Afeganistão, a realidade foi decepcionante.
Como foi o planejamento da viagem ao Afeganistão?
Estava sempre atento para perceber quando poderia ir, conhecendo pessoas que haviam visitado antes do retorno dos talibãs. Viajar agora é mais seguro, pois o país parece estável. Um amigo criou uma agência de viagens, a ‘Darya Expeditions’, e juntos montamos a logística necessária. Voamos para Dubai e, rapidamente, conseguimos os vistos antes de partir para o Afeganistão.
Toda a viagem foi aérea?
Sim, é impossível fazer isso sozinho. Ao chegar, precisamos informar os talibãs sobre o itinerário para obter aprovação.
“Percebemos que, sendo ‘casados’, havia menos questões”
Você compartilhou essa jornada com Marta Giardas Duran. Encenação de casamento facilitou a viagem, foi isso mesmo?
Percebemos que fingir ser casados simplificava a burocracia e reduzia os custos. Culturalmente, era preferível dizer que éramos um casal.
Quantos dias ficaram lá?
Planejamos 20 dias, mas saímos após 17 dias devido a incidentes negativos.
“Os talibãs estavam mais controladores que o normal, sabotando nossa viagem”
Por quê?
O período do ‘Eid Mubarak’ trouxe mais controles devido a potenciais instabilidades. Desde o início, sentimos uma tensão crescente e desistimos de várias atividades por questões de “segurança”, frustrando o objetivo da viagem.
“Fomos perseguidos por um talibã, sentindo risco real”
Pode contar sobre a perseguição? Onde isso ocorreu?
Em Kandahar, fomos seguidos por um talibã após sentirmos hostilidade em vilarejos. Ao retornar ao mercado, nosso guia nos alertou do perigo, resultando numa fuga tensa de 15 minutos até que o perseguidor desistisse.
Sabe qual era o propósito do talibã em segui-los?
Não sabemos ao certo. O guia temia retaliações caso tentasse comunicação oficial. O ódio ao Ocidente, transmitido há décadas, ainda permeia as mentalidades.
“Em Cabul, há mais mulheres na rua, mas fora isso, o conservadorismo é evidente”
Após a volta dos talibãs, observou restrições severas? Quais as impressões sobre a vida das mulheres?
Depende muito da região. Em cidades grandes, mulheres têm mais liberdade, mas regiões conservadoras mostram forte repressão.
E sobre a educação feminina?
Mulheres em condições melhores continuam estudando em classes privadas. O maior problema é a absurda pobreza que impossibilita a maioria de ter educação.
“Pobreza extrema é evidente, com crianças catando lixo para sobreviver”
O que mais chocou em relação à pobreza?
Cabul revelou extrema miséria, com crianças vivendo de coleta de lixo. A longa guerra deixou profundas cicatrizes econômicas e sociais.
Sobre restrições sociais, a música é proibida. Como reagem a isso?
No privado, as pessoas desafiam as regras. Muitos usam redes sociais para relatar e resistir a abusos.
“As mulheres podem conversar, mas há boatos distorcidos”
O que é ou não verdadeiro sobre as proibições?
Algumas restrições não são tão rígidas quanto relatadas. Exemplo: mulheres podem conversar entre elas.
Questão de registros fotográficos e de vídeo, qual sua percepção?
Fotografia pode ser culturalmente sensível, principalmente envolvendo mulheres, mas não é estritamente proibida.
Experiências negativas à parte, tiveram alguma interação positiva com os talibãs?
Sobretudo por questões de protocolo e um incidente com uma atriz pornográfica, foi raro interagir com talibãs, mas tivemos boas trocas em condições controladas e respeitosas.
Acha que o diálogo talibã com estrangeiros é sincero ou encenado?
As pessoas, inclusive talibãs, expressam desaprovação de certas medidas. Podem usar reconhecimento internacional como moeda de troca por mudanças internas.
Após o que vivenciou, considera justificar um regresso ao Afeganistão?
Atualmente, não. Senti risco pessoal e acredito que as coisas precisam mudar significativamente para reconsiderar um retorno.
Recomendaria a outros que visitassem?
Depende do objetivo. Se buscando compreender realidades distintas de forma segura e menos extensa, há valor. Mas para mim, a experiência foi suficientе.