“A reforma agrária era um velho mito da vida política portuguesa e da oposição e das esquerdas democráticas portuguesas”, contou António Barreto, ministro da Agricultura do primeiro governo constitucional, liderado por Mário Soares, ao marcar 50 anos da reforma agrária.
Desde 25 de abril de 1974 até o final do mesmo ano, formou-se uma situação de “alguma pressão social” no Alentejo para a concretização da reforma agrária, impulsionada por partidos políticos, sindicatos e o Movimento das Forças Armadas (MFA), que atuou até a promulgação da Constituição em 1976.
No Alentejo, o emprego e a produção estavam em queda, refletindo as dificuldades do setor agrícola em Portugal.
Esta pressão resultou na ocupação da Herdade do Monte do Outeiro, em Beja, em dezembro de 1974, seguida por “meia dúzia de ocupações” antes da entrada em vigor da lei da reforma agrária.
A lei estabeleceu “uma fasquia acima da qual as terras eram expropriadas”, definiu indemnizações e o direito de reserva para proprietários expropriados. No entanto, António Barreto afirmou que nenhuma destas cláusulas foi respeitada, sendo tudo expropriado, desde gado a maquinaria e até casas de habitação.
Barreto recorda que, na época, dizia-se que a terra ocupada estava ao abandono e seria entregue “a quem a trabalha”.
Apesar disso, trabalhadores agrícolas ocuparam as “boas terras, com lavoura moderna e benfeitorias”.
A operação de ocupação foi “muito bem preparada”, com a criação de Centros da Reforma Agrária para conduzir o processo.
A GNR estava desarmada e não intervinha, ao contrário dos militares.
Os proprietários ofereceram “resistência moderada”, e muitos se retiraram para as cidades, temendo o processo que estava em curso.
Herdades como Alorna e Lagoalva resistiram às tentativas de ocupação devido a investimentos recentes nas suas condições.
A maioria dos trabalhadores agrícolas que ocupou as terras desejava manter o emprego, enquanto poucos almejavam se tornar proprietários.
“Isso era uma minoria. O Alentejo estava proletarizado há muitos anos. A maioria era assalariada rural, sem competência técnica para se tornar proprietários […]. Queriam salário e emprego garantido”, disse Barreto.
Ao surgir oportunidade, muitos mudaram para a indústria, devido às condições penosas do trabalho agrícola.
As terras expropriadas formaram Unidades Coletivas de Produção (UCP) nas Zonas de Intervenção da Reforma Agrária (ZIRA), de propriedade estatal.
Estas unidades utilizavam crédito agrícola de emergência para garantir salários semanais.
“Fossem 10 ou 200 trabalhadores, a agência bancária fazia o pagamento com instruções do Banco Central”, lembrou Barreto, destacando a recente nacionalização da banca.
A ZIRA abrangeu os distritos de Setúbal, Beja, Évora, Portalegre, e partes dos distritos de Faro, Lisboa, Santarém e Castelo Branco.
Até janeiro de 1976, cerca de 1.183.000 hectares de terras foram ocupados.
No livro “Anatomia de uma Revolução”, Barreto revela que entre agosto e dezembro de 1975, 865 herdades e 311 proprietários foram legalmente expropriados.
De janeiro a julho de 1976, foram expropriadas 1.261 herdades e 398 proprietários.
Em 1977, uma lei preparada pelo então ministro da Agricultura António Barreto regulamentou o processo, estruturando as condições para a restituição de propriedades aos antigos proprietários e abrindo caminho para indemnizações.
Muitos proprietários recuperaram suas terras 20 ou 30 anos após a reforma agrária.
O Tribunal Europeu reconheceu a maioria das reivindicações de indemnização, obrigando o Estado a arcar com os valores.