
A Ordem dos Advogados emitiu esta quarta-feira um parecer “desfavorável” às alterações propostas pelo Governo à Lei da Nacionalidade e aponta “fundadas dúvidas acerca da constitucionalidade” do projeto de lei.
Em causa, a ordem afirma que podem estar a ser violados três artigos diferentes da Constituição Portuguesa, nomeadamente o artigo 4.º que define o que é a cidadania portuguesa, o artigo 13.º que estabelece o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, e o artigo 18.º que fala sobre a força jurídica.
Prazos diferentes para nacionalidades de origem diferentes
Ora, a proposta de alteração à Lei da Nacionalidade agora em cima da mesa “visa restringir o regime vigente” por o considerar “demasiado permissivo”, sugere não só aumentar o prazo de residência exigido para obter a cidadania, mas também implementar prazos diferentes dependendo da nacionalidade de origem.
Cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, por exemplo, vêem o prazo aumentar de cinco para sete anos. Os restantes passam a ter de viver em Portugal durante dez anos antes de poderem fazer o pedido de cidadania. Isto desde que não haja uma “justificação objetiva e proporcional” ao pedido.
A ordem dos advogados considera que, a ser aprovado, se trata de “um regime discriminatório” que contraria o “princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º” que diz, taxativamente, que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…) território de origem.”
Quanto à introdução de, no mínimo, três anos de residência legal dos pais estrangeiros de uma criança nascida em Portugal, representa, para a ordem, uma limitação “significativa ao acesso” à nacionalidade.
Diz a Ordem dos Advogados, que a medida pode mesmo ter um “impacto desproporcional” sobre os filhos de imigrantes legais que não preenchem este critério.
Negado o acesso à nacionalidade a quem comete crimes
Numa outra alteração, o Governo sugere também restringir o acesso à nacionalidade a quem for condenado pela justiça, “mesmo por crimes menores” (por exemplo, difamação). Uma proposta que a ordem defende que se afasta “do princípio da proporcionalidade e poderá gerar consequências desproporcionadas face à gravidade da infração”.
E alerta que “por qualquer crime” uma pena de apenas um dia ou de 30 “pode implicar uma restrição ao acesso à nacionalidade”.
A ordem aponta ainda que a medida é “redundante”, argumentando que penas superiores a três anos já impedem, de acordo com a lei atual, o pedido de nacionalidade.
Para além disso, a ordem afirma ainda que retirar a nacionalidade portuguesa de um cidadão, caso seja condenado nos dez anos seguintes a ter conseguido obter a mesma, pode “violar os artigos 4.º e 13.º da Constituição”.
“A previsão da perda de nacionalidade por naturalização representa uma discriminação entre portugueses de origem e naturalizados, criando um subgrupo de ‘portugueses sob vigilância’?”, aponta ainda a Ordem dos Advogados.
A ordem aponta ainda a aplicação retroativa das alterações que estão a ser propostas como uma violação do artigo 18.º da Constituição, por “restringir direitos e expectativas legais dos requerentes” e criar “insegurança jurídica”.
O parecer da Ordem dos Advogados foi entregue na Assembleia da República. Poder ler o documento aqui.
Reação dos partidos à Lei da Nacionalidade
A proposta do Governo para alterar a lei gerou descontentamento, especialmente, à esquerda de onde rapidamente surgiram acusações de violação da Constituição, de criação de “duas categorias de cidadãos”, de “retrocesso civilizacional” e até mesmo de “crueldade”.
À direita, a reação foi mais positiva e o líder do Chega afirmou mesmo que chegou a um entendimento com o PSD e que foi assumido o “compromisso de bloquear uma série de audições para que este processo seja rápido”.
A proposta à Lei da Nacionalidade vai ser discutida depois das férias parlamentares, em setembro, mas em princípio deve passar na Assembleia da República, com os votos a favor do Chega e do PSD.
O Presidente da República ainda não se manifestou diretamente sobre as alterações, mas já tem pedidos para enviar o documento ao Tribunal Constitucional se lhe chegar às mãos.