
“A nossa principal recomendação é: ponham a casa em ordem”, afirmou Kristalina Georgieva, que chegou a Angola na quarta-feira, numa entrevista exclusiva à agência Lusa, em Luanda, antes de partir para o encontro das principais economias mundiais, que decorre este fim de semana na África do Sul.
Questionada sobre o caminho a seguir por África – e em particular por Angola – a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou a necessidade de “boas políticas”, maior transparência e instituições sólidas capazes de criar confiança nos investidores.
“É crítico ter políticas e instituições fortes, sempre. Num mundo de mudanças rápidas e transformações maciças – geopolíticas, tecnológicas, choques climáticos – é ainda mais importante para que os países sejam fortes”, reforçou.
Para isso, os governos precisam de aumentar as receitas, alargar a base tributária e cobrar impostos de forma eficaz, além de garantir uma despesa pública de qualidade, alertou, acrescentando que estes fatores são essenciais para financiar a educação, eliminar barreiras à iniciativa privada e sustentar o crescimento económico.
A responsável máxima do FMI recordou ainda que os choques mundiais recentes – da pandemia à guerra na Ucrânia, da inflação às taxas de juro, além das crescentes tensões comerciais – afetaram as economias africanas que se revelaram mais resilientes do que o esperado.
Kristalina Georgieva considerou “impressionante” a resiliência económica do continente, comparando o crescimento global esperado de 3,2% este ano e 3,1% em 2026 com as projeções para a África subsaariana – 4,1% em 2025 e 4,4% no próximo ano.
“Achámos que podia ter sido muito pior e, quando vimos que foi tão resiliente, encontrámos duas razões: em muitos países, incluindo aqui em Angola, o governo retirou-se de áreas da atividade económica onde não pertence. O setor privado é mais ágil, mais adaptável. Quando mudanças acontecem, (o setor privado) é rápido a agir”, explicou.
A segunda razão, afirmou, são “as boas políticas, as boas instituições e, acima de tudo, a transparência na gestão económica e como o dinheiro público é gasto”, defendendo que estes elementos são ainda mais necessários no futuro.
Georgieva alertou, no entanto, que a resiliência não pode ser dada como garantida, devido às vulnerabilidades existentes e ao facto de o atual ritmo de crescimento não ser suficiente para atender às aspirações das populações, sobretudo em matéria de emprego.
A diretora-geral do FMI destacou igualmente que as economias mais dependentes de recursos naturais – como Angola, altamente dependente do petróleo – são mais vulneráveis aos choques globais, enfrentando variações de preços que criam incerteza e instabilidade.
Além disso, sublinhou, as indústrias ligadas aos recursos naturais “não criam muitos empregos” e não absorvem a procura laboral, especialmente dos jovens. Por isso, afirmou, “estamos muito interessados na diversificação”.
A caminho da cimeira do G20, grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e União Europeia, Kristalina Georgieva deixou ainda um apelo para que os temas africanos ganhem espaço no debate global, a começar pelo investimento necessário para sustentar o crescimento.
“É preciso construir uma ponte entre o mundo rico, que está a envelhecer, e a África, que tem uma população jovem, para que o capital possa chegar ao continente africano”, disse, lembrando que 11 das 20 economias que mais crescem no mundo estão na África subsaariana.
A responsável chamou também a atenção para o impacto das alterações climáticas, que estão a afetar severamente várias regiões africanas, sublinhando que a adaptação requer apoio da comunidade internacional”.
Sobre o peso da dívida, afirmou que os níveis elevados e os custos do serviço de dívida merecem a atenção do Fundo, que está empenhado em “apoiar os países africanos a reestruturar a dívida quando necessário, como no Gana e na Zâmbia, ou a geri-la melhor, como é o caso aqui em Angola”.



